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Posts Tagged ‘sonhos’

uma desilusão

Uma luz celeste saiu por detrás dos prédios quando começou a canção de Gardel. Dois homens, distraídos, continuaram a conversar e os gatos ficaram estáticos e cândidos. Lembro-me, vagamente, de ter sentido um estranho toque do metal, como se fosse domingo. Mas não me lembro de não haver Deus. Sonhei que estaria, talvez, em Paris. Afinal, era apenas Buenos Aires.

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que dia foi este noutros anos? se ao menos me lembrasse que dia foi. vejo-lhe a forma nas nuvens e no vento frio; as searas angustiadas, o coração apertado, a estrada a estilhaçar, isolada. é uma aflição sem causa, adolescente. que este desassossego tem qualquer coisa de bom. lembra-me um sonho lindo, quase acabado.

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desde pequeno que, depois dos talheres cruzados, os acompanhava à vila. ao deixar o monte, ficava a pensar se, na minha ausência, não aconteceriam coisas mágicas, acontecimentos invulgares. a tarde que nasce lenta depois do almoço, premeia sempre os que decidem ficar, os que se deixam estar, sonolentos, numa serenidade natural. na vila, o tempo nunca é natural. à frente da igreja, dois ou três cafés, com os toldos patrocinados envelhecidos, as montras gradeadas, a solidão do progresso desiludido e uma angústia inerte, ansiosa pela segunda-feira. porém, desta vez fiquei, e do sossego digestivo surgiu a música a iluminar o montado e o pequeno lagar, arrancando a alegria das cadeiras de verga, numa valsa livre e solta. os animais brincavam como crianças e os velhos sorriam empolgados com a magia da dança. no caminho de volta, já melancólico, fiquei a ver a seara passar e desaparecer, seca e infértil. acabei por adormecer com a trovoada, ainda com lábios de vinho, enquanto no banco da frente eles ainda falavam da rotina da semana anterior. um pouco mais tarde, acordei com o ruidoso tabuleiro da ponte e vi o domingo pesar e arrastar-se, negro, sobre a cidade. voltei para casa, tonto.

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just like the movies

Nunca percebemos na altura. Só algum tempo depois realizamos a cena toda e até a câmara-lenta percebemos que lá estava. Todos os timings perfeitos, a luz certa e a naturalidade. Mas quando a vida imita o cinema há algo que não está bem. Acho que o Chico Buarque já tinha falado nisto.

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Creta

Dormimos até tarde e já só esperavam os restos do grande almoço. O sol estalava sobre a mesa. Pegámos nas maçãs e numa garrafa de vinho e saímos pelas sombras mediterrânicas em direcção ao mar. Era uma tarde longa como todas as tardes em que a ilha se ilumina lentamente, onde os campos produzem cultura e a história se ergue em cada colina. Nas casas há um fio de azeite fresco que tempera a brisa e, quando o sol se põe, nasce a ideia clássica que só se encontra nos poemas. Ah!, Creta – minha ilusão libertina e conservadora.

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Cordoba

Depois do calor do deserto andaluz chegamos finalmente a Cordoba, à frescura da sua medina colorida; o oasis desejado noutro deserto – o de Maio. No silêncio, pelo meio do branco das pequenas casas, parece ouvir-se o suspirar de Alá vestido de negro. Depois, à sombra da mesquita, um cesto de laranjas frescas e uma ou outra garrafa de Jerez trazida de uma longa viagem de Cádiz. Ah Cordoba!, província infinita, lugar constante do meu sonho.

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pequeno lamento optimista

toca a campainha do forno e levo o prato para a mesa onde o pouso com o vagar de mais uma sexta-feira a jantar sozinho. os olhos perdem-se pela mesa e resignados encontram a garrafa, o copo, a sombra do candeeiro e uma nódoa na toalha gasta e cansada de tantas sextas-feiras vazias. no gira-discos roda o song book de gershwin na voz veludosa de fitzgerald. é então que me sinto empurrado e precipito-me pela escada até à rua onde os carros parecem celebrar, os casais deslizam inundados de todo o amor, as crianças brincam sob o brilho directo das estrelas, a lua nasce a correr e uma secção de metais sai detrás de um camião. a bateria tropical ritma um grupo de bailarinos de rua e até francis scott parece sorrir largando o bourbon. um imenso calor de dezembro e meia dúzia de gotas de água pálida descem pelo meu corpo que agora se expande alegremente pelo passeio na tranquilidade de uma caminhada voyeurista. a voz de fitzgerald – é ela que me acorda, então, a meio do banho. limpo as gotas e o calor vai-se desfazendo até enfiar a camisola. saio para jantar acompanhado e talvez tudo possa acontecer.

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all is dream

acordo estremunhado de um sonho estranho. levanto-me e começo a escrevê-lo aqui. o sonho é pavoroso e eu consigo descrevê-lo na íntegra. entusiasmado, o texto vai saindo com uma fluidez e uma graça pouco habituais. faço a revisão do texto e publico. nada. absolutamente nada. começo a pensar que ainda estou a sonhar e volto ao editor do blog para me certificar que o tinha mesmo escrito. nada. desapareceu no espaço. ou então fui eu que sonhei que tinha escrito sobre um sonho que acabava no pavilhão rosa mota com toda a gente a cantar “a portuguesa”. até porque os sonhos são sempre dos outros. é então que me lembro deste disco e da ideia inicial do sonho dos outros. não há motivo para grandes preocupações ou grandes dramas. mesmo que não me recorde, foi apenas um sonho que eu nem sequer quis ter.

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